EDUCAÇÃO: bem mais do que 3.012 km separam Porto Alegre/RS de Ararendá/CE

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Faz parte da paisagem brasileira o insucesso escolar. Já não nos surpreendemos com o fraco desempenho de nossos estudantes - e quando somos chamados a analisar as causas do fracasso de nossas escolas, preferimos justificá-lo fazendo referência a fatores de natureza econômica. A pobreza da população, a falta de recursos de infraestrutura e os baixos salários dos professores têm sido, em regra, as explicações para os baixos índices de desempenho na educação.

Faz parte da paisagem brasileira o insucesso escolar. Já não nos surpreendemos com o fraco desempenho de nossos estudantes – e quando somos chamados a analisar as causas do fracasso de nossas escolas, preferimos justificá-lo fazendo referência a fatores de natureza econômica. A pobreza da população, a falta de recursos de infraestrutura e os baixos salários dos professores têm sido, em regra, as explicações para os baixos índices de desempenho na educação.

Por óbvio, fatores econômicos e socioculturais influenciam a aprendizagem. Não é minimamente razoável desprezá-los numa análise que busque identificar as causas da falta de qualidade na educação. Há, contudo, que se trabalhar primeiramente com fatos, e não com opiniões forjadas pela paixão dos interesses pessoais ou corporativos, se quisermos mudar o desolador quadro educacional instalado há vários anos na capital dos gaúchos.

Comecemos, então, por verificar os “fatores extraclasse”, ou seja, as dimensões econômicas, sociais e culturais que extrapolam os contornos do que é possível administrar na gestão das salas de aula.

A capital gaúcha tem muito do que se orgulhar. Sua tradicional Feira do Livro já soma quase 70 edições ininterruptas. As universidades locais figuram entre as mais destacadas do país. A cena cultural da cidade, rica em música, teatro e debates que rompem fronteiras, passou a também incluir shows e espetáculos de grandes turnês internacionais. Sua rede hospitalar e as pesquisas em saúde são de excelência incontestável.

Todo esse caldo de cultura resulta, segundo o IBGE, em Porto Alegre estar entre as 20 cidades brasileiras com o mais alto salário médio mensal dos trabalhadores. E as boas notícias não param por aí. A capital gaúcha apresenta 93% de domicílios com esgotamento sanitário adequado. Até mesmo os índices de violência na cidade vêm sendo reduzidos significativamente. De acordo com dados da Secretaria da Segurança Pública, em 2017 foram registrados 2.750 homicídios na cidade, contra 1.501 em 2023 (até novembro), uma redução de cerca de 45% das mortes violentas em apenas 7 anos.

Ainda assim, há também muito a lamentar. Porto Alegre peca em deixar pessoas excluídas da vida cidadã e produtiva, havendo preocupantes bolsões de pobreza em bairros da periferia. Sua população vê dia-a-dia crescerem os problemas de mobilidade urbana, também porque as redes de transporte coletivo, com suas inúmeras limitações, convidam parte significativa da população a seguir ampliando os congestionamentos nas vias públicas, com o uso diário de seus automóveis.

Os “fatores extraclasse”, contudo, parecem não poder justificar os graves resultados educacionais da capital dos gaúchos. Ao contrário: a condição socioeconômica média de seus habitantes, sua infraestrutura de saneamento básico, suas notáveis universidades e sua honrosa história de produção de cultura deveriam ter impulsionado a educação de Porto Alegre a atingir resultados compatíveis com os demais indicadores de desenvolvimento humano da cidade.

Não é isso o que se constata. A capital gaúcha, uma das 26 principais cidades brasileiras, amarga o 3.133º e o 2.824º lugares entre os 5.570 municípios de nosso país, se considerados os resultados educacionais do Ensino Fundamental (Anos Iniciais e Anos Finais). A pujante Porto Alegre fica atrás de cidades com baixíssima infraestrutura, quase nenhuma conectividade e com grande parte população não tendo sequer concluído o Ensino Fundamental. Objetivamente, a cidade atingiu 5,3 e 4,7 no IDEB, nos segmentos do Ensino Fundamental 1 e 2, respectivamente1, e essa realidade não pode ser debitada a essa ou àquela ideologia política, já que o problema perdura há muitas gestões.

Vejamos agora os indicadores de Ararendá/CE, cidade brasileira que figura como a de maior IDEB no Ensino Fundamental: 9,5 (Anos Iniciais) e 8,1 (Anos Finais). Esses resultados acontecem num município cuja média de remuneração da população ativa é de apenas 1,8 salários mínimos – menos da metade do que recebem, em média, os trabalhadores portoalegrenses. Ou seja: enquanto em Porto Alegre a renda per capita é de R$51.116,72, em Ararendá esta é de apenas R$8.097,17. Some-se a diferença positiva de R$43.000,00/ano na condição socioeconômica de cada morador de Porto Alegre aos 3.012 km que separam as duas cidades e acrescente-se um verdadeiro abismo educacional, para se ter ideia do tamanho do afastamento entre essas duas cidades.

Municípios Indicadores

Porto Alegre/ RS

Posição no Brasil

Ararendá/ CE

Posição no Brasil

IDEB – EF (Anos Iniciais)

5,3

3.133º

9,5

IDEB – EF (Anos Finais)

4,7

2.824º

8,1

Taxa de escolarização de 6 a 14 anos de idade (2010)

96,6%

4.099º

98,9%

718º

Renda per capita

4,1 salários mínimos

20º

1,8 salários mínimos

3.288º

% da população com rendimento médio inferior a 1/2 salário mínimo (2010)

25,6%

Entre os 5% mais ricos

56,6%

Entre os 5% mais pobres

População ocupada (2021)

51,12%

69º

9,15%

4.007º

FONTE: IBGE/2021

Por qualquer critério de natureza socioeconômica, é injustificável o baixíssimo desempenho dos estudantes portoalegrenses. Os mais afetos à simplificação das análises poderiam arguir que Ararendá não seria termo de comparação para Porto Alegre, por se tratar de município muito pequeno, com pouco mais de 11.000 pessoas. A esses críticos, uma pergunta: num universo de 366 escolas avaliadas em Porto Alegre (em torno de 100, da rede municipal, e as demais, pertencentes à rede estadual ou à rede de escolas conveniadas), não seria mais fácil que apenas 9 delas atingissem IDEB 9,5? Ao que consta, não houve uma sequer que tenha obtido esse índice. Pois na rural Ararendá (32,42 habitantes por quilômetro quadrado), a média no IDEB de 100% de suas 9 escolas foi de 9,5 nos Anos Iniciais, e a participação da comunidade no acompanhamento de suas escolas mostra o quanto a educação é vista como uma responsabilidade de todos.

Para não entrar em discussões infindáveis sobre o grau de dependência da educação a fatores exógenos à sala de aula, passemos então a investigar o modo como Ararendá organizou os elementos da gestão educacional. Na busca por tentar driblar o impacto dos fatores socioeconômicos na aprendizagem dos estudantes, o município apostou no estabelecimento do compromisso dos professores com um projeto pedagógico idealizado para o curto, o médio e o longo prazos, e todo o processo vem sendo acompanhado pela realização de diagnósticos transparentes e constantes. Além disso, Ararendá implementou em suas escolas o ensino em tempo integral. Por fim, foram empreendidas diversas ações de reconhecimento aos professores, incluindo premiações às escolas de melhor desempenho e apoio àquelas com maior dificuldades para atingir as expectativas pactuadas.

Gestores escolares e professores de Ararendá concordam que as escolas em regime de tempo integral contribuíram muito para a elevação dos níveis de aprendizagem dos estudantes. A implantação desse programa teve como focos principais a alfabetização, a ampliação do letramento e a melhoria do desempenho em língua portuguesa e matemática. Mediante acompanhamento pedagógico específico, a proposta visou à redução do abandono escolar, da reprovação e da distorção idade/série. Foi, portanto, a ampliação do período de permanência dos alunos na escola, sustentada por clara intencionalidade pedagógica e avaliação permanente, que alçou Ararendá ao posto da mais destacada cidade brasileira no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.

Importante sublinhar que projetos exitosos não são fruto do acaso. O Ceará conseguiu fazer da educação uma política de Estado, e não de Governo, superando o modelo mental de 4 anos que rege o mundo da política, para conferir longevidade aos propósitos e métodos educacionais. E mais: Ararendá conseguiu fazer uma escola com sentido para os estudantes!

Por certo, também temos como inovar a maneira como são concebidas as nossas escolas, ainda que haja incontáveis problemas a administrar, como a crescente falta de professores – dada a desvalorização da carreira docente – e as dificuldades políticas típicas de ambientes polarizados como Porto Alegre.

A experiência de Ararendá é um alento para aqueles que acreditam no poder transformador da educação. Afinal, a cidade cearense prova que, com foco, protagonismo dos agentes educacionais, resiliência e competência técnica, é possível salvar as novas gerações do imobilismo dos adultos e/ou das alianças que não colocam no centro das preocupações de uma cidade o direito que crianças e jovens têm de aprender.

Artigo por Mônica Timm
Mestra em Gestão Educacional, Especialista em Gestão Empresarial, Licenciada em Letras, é CEO da Plataforma de Leitura Elefante Letrado. Integra o Conselho Consultivo do Pacto Alegre e o Grupo Estratégico do Pacto pela Educação/RS.

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Leia mais: veja como funciona o Pacto Alegre

Entre os projetos mais conhecidos apoiados ou induzidos pelo PACTO se encontram: o Instituto Caldeira; a renovação do Quarto Distrito; a criação da marca e símbolo oficial de POA; a reinclusão da Capital no programa global Cidades Educadoras; o projeto Cidade das Startups e o projeto Territórios Inovadores.


1 IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), indicador criado em 2007, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), foi formulado para medir a qualidade do aprendizado nacional e estabelecer metas para a melhoria do ensino. As escolas recebem uma nota de 0 a 10 referente ao seu desempenho em determinado ano, a cada dois anos. O último relatório disponibilizado é do ano de 2021.

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