Ecossistemas de inovação e o desenvolvimento das cidades

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Artigo Publicado originalmente no UOL.

Por: Clayton Melo

As grandes cidades brasileiras enfrentam desafios enormes e dos mais variados tipos. Do saneamento básico que não chega para todo mundo ao déficit habitacional, passando por mobilidade e desigualdade espacial, são muitos os obstáculos que impedem que toda a população – e não apenas uma parcela – desfrute de boa qualidade de vida. E à medida em que o século 21 avança, os problemas se agigantam e castigam ainda mais os centros urbanos. É o caso, por exemplo, da questão ambiental, cujo desequilíbrio provocado pela humanidade tem gerado efeitos climáticos extremos cada vez mais frequentes, colocando em risco a vida de milhares de pessoas.

É preciso urgentemente repensar as cidades, buscando modelos de desenvolvimento mais justos, sustentáveis e conectados a problemas reais. E isso não é uma tarefa exclusiva do poder público – e muito menos do mercado. A chance de sucesso nessa jornada aumenta quando os diversos atores do território jogam juntos, colaborando em projetos urbanos concretos. Mas como fazer isso? Que experiências podem servir de inspiração?

É aqui que entram em cena os ecossistemas de inovação, ambientes em que poder público, iniciativa privada, academia e sociedade civil colaboram para inovar e estimular o desenvolvimento local. Funcionando na lógica da sociedade em rede, eles facilitam a circulação de conhecimento e criam as condições, como atração de talentos, pesquisa, investimentos e validação de projetos, para que as ideias se transformem em realidade.

 

Experiências e aprendizados

Há diversas iniciativas desse tipo no Brasil. Uma das mais emblemáticas é a do Porto Digital. Criado no Recife no ano 2000, o parque tecnológico nasceu com o propósito de desenvolver uma nova agenda econômica para o Estado. Mas, diferentemente de que acontece muitas vezes, o projeto não veio de uma canetada do governador ou do prefeito.

A preparação – e depois a gestão, até hoje – envolveu uma intensa articulação entre academia, indústria e governo, que atuam em conjunto nos programas de inovação. A universidade foi protagonista.

 

O histórico da UFPE na área tecnológica vem desde os anos 1960, primeiro com a criação de um centro de processamento de dados, depois com a oferta, na década seguinte, de cursos de graduação e pós-graduação em ciências da computação. Com essa base, a instituição estava bem posicionada para influenciar os rumos da política pública para o setor.

Passados mais de 20 anos, o Porto Digital é hoje um dos principais polos de inovação do país. O faturamento gerado pelas empresas instaladas no parque alcançou R$ 2,86 bilhões em 2020, um crescimento de 22% sobre o ano anterior, mesmo com a pandemia, e de 50,8% em relação a 2018. Hoje, mais de 330 empresas e 11 mil colaboradores atuam no local.

Mas os impactos do Porto Digital não são apenas econômicos – o parque tecnológico também serviu como um acelerador de desenvolvimento urbano. A opção por instalá-lo no Bairro do Recife, no então degradado centro, foi para ativar a região e, assim, preservá-la.

Só na década passada, o Bairro do Recife recebeu mais de R$ 90 milhões para projetos de renovação urbana, como o restauro de prédios que ajudam a contar a história da cidade. Hoje, a realidade lá é bem diferente – para melhor – se comparada àquela do início dos anos 2000.

 

Conexões para projetos urbanos

Outro exemplo, este mais recente, vem de Porto Alegre – e mais uma vez com a academia na dianteira do processo. Chamado de Pacto Alegre, esse ecossistema de inovação na capital gaúcha foi formado a partir da iniciativa de três universidades do Estado, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a Unisinos e a PUC-RS, que em 2018 se uniram para lançar a Aliança para a Inovação. O projeto evoluiu, e no ano seguinte surgiu o Pacto Alegre, um movimento mais encorpado, com a participação da academia, do poder público, da iniciativa privada e da sociedade civil. O objetivo é transformar Porto Alegre em referência no ecossistema global de inovação.

A partir de diversos encontros, foram definidos os macrodesafios que deveriam ser trabalhados, como Transformação Urbana, Imagem da Cidade, Qualidade de Vida e Modernização da Administração Pública. O passo seguinte foi abrir chamadas públicas para projetos da sociedade. Ao todo, já foram selecionados 39, com planos que vão de ações para incrementar o turismo no centro da cidade a iniciativas de digitalização de serviços públicos, educação e territórios criativos.

Um dos projetos em andamento tem como objetivo criar um polo de inovação no chamado 4º Distrito, uma área próxima ao cais da cidade que um dia foi um centro industrial, mas que foi se deteriorando nas últimas décadas. As discussões foram abraçadas pela prefeitura, que apresentou à Câmara de Vereadores, em dezembro de 2021, um plano com uma série de medidas para dinamizar a região.

Esses são apenas alguns exemplos de como a construção de pontes entre academia, poder público, iniciativa privada e a sociedade civil pode colaborar, na prática e de forma democrática, para a melhoria da vida urbana. É evidente que os desafios são complexos e isso é apenas parte da solução. Mas acompanhar os aprendizados dessas e de outras experiências, dentro e fora do país, nos ajuda a entender melhor como colocar o imenso potencial dos ecossistemas de inovação a serviços das cidades. 

 

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Clayton Melo é jornalista, mestrando em Cidades Inteligentes e Sustentáveis pela UNINOVE e Finalista do Prêmio Governo do Estado de São Paulo para as Artes 2020. Colunista da Fast Company Brasil, é cofundador da plataforma A Vida no Centro e atuou em redações como Istoé Dinheiro, Gazeta Mercantil, Meio e Mensagem e colaborou com UOL, El País, HuffPost,Veja SP, Istoé e Carta Capital, entre outras publicações.
Email: 
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