O nosso lugar

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O nosso lugar: educação na cidade

Qual o real valor do espaço que habitamos? Esta é uma questão que deveria estar presente em nosso dia a dia. Isso porque a cidade é um espaço coletivo. Um espaço democrático que deve ser transformador, para todos. E para que as pessoas possam ser transformadas, precisamos pensar em educação.

Embora isto seja evidente, é importante sempre reafirmar, pois as distrações são muitas. A tecnologia, as mudanças do “mercado” e os caminhos que diferentes instituições percorrem para se tornar mais competitivas estão na mídia, no nosso discurso, e acabam se apresentando como os caminhos possíveis para se ter sucesso.

Tudo isso é relevante, mas o que garante o futuro de um espaço público é, em boa medida, o oposto destes conceitos: o foco na humanidade, o olhar para a educação, a importância da colaboração. A competitvidade é valor individual, não coletivo. E sendo assim, não pode estar em destaque quando pensamos na cidade que queremos.

Penso nisso tudo, à medida em que leio alguns textos sobre educação que apontam para a humanidade e para quais elementos são essenciais para aprender. Dois autores que gosto muito, o Andy Hargreaves e o Dennis Shirley, destacam 3 elementos centrais neste processo: engajamento, bem-estar, identidade.

Bem-estar: Quando pensamos nas crianças ou nos jovens adultos, mesmo entendendo que os seus processos são bastante diferentes, existem elementos em comum, como a necessidade de bem-estar. A obsessão por resultados acadêmicos acaba, muitas vezes, anulando outros espaços fundamentais, como a compreensão da necessidade de cuidado com a saúde mental e de reconhecimento das individualidades de cada aluno, para que possamos contextualizar o seu aprendizado e gerar bem estar. Quando reconhecemos cada um, potencializamos os ganhos coletivos e temos ainda mais espaço para o novo.

Engajamento: O engajamento é um fator fundamental, que surge a partir do momento que reconhecemos o valor intrínseco nas atividades. Hargreaves e Shirley apontam para esse ciclo: valor intrínseco (encantamento), importância (significado social, propósito), associação (aprender com os outros), empoderamento (confiança em sua capacidade) e maestria (busca da excelência). Todas essas etapas fazem parte do processo que os autores chamam de “ciclo do engajamento dos estudantes.

Identidade: A identidade passa pela compreensão do outro em suas individualidades e pelo respeito coletivo. Cada um de nós possui uma identidade que é construída a partir de muitas variáveis, e estas questões devem ser compreendidas como potência para transformar o coletivo.

Estes 3 elementos, que devem estar presentes em toda sala de aula, também precisam estar presentes em nossa cidade.

Quando eu me sinto bem nos espaços que circulo, quando não sou julgado pela minha identidade, tenho uma maior capacidade de pertencer e de engajar. E essa capacidade é potência transformadora da minha relação com o espaço em que vivo.

Me parece que esse é o melhor caminho para pensarmos na cidade que queremos hoje e no futuro: que lugar coletivo é esse? Que valor se revela a medida em que nos enxergamos enquanto pertencentes a este lugar?

Hoje, vejo muitos títulos, conceitos e possibilidades para dizer que uma cidade é superior a outra. O número de empresas, de startups, o acesso a investimento, entre tantos outros indicadores.

Mas, de fato, o que define o nosso lugar não tem qualquer relação com esses conceitos.

O que define nosso lugar é a capacidade transformadora que este espaço tem para beneficiar grupos, coletivamente, e transformar a vida de cada um dos cidadãos que nele habitam.

E dentro desta perspectiva que reforço a importância da educação.

Isso porque, dentro ou fora da sala de aula, o que transforma a vida de cada um de nós é um constante processo de aprender que acontece no encontro entre humanos.

E a cidade precisa ser o lugar do encontro.

Quando encontramos o outro, o diferente, temos a possibilidade de ver algo novo, de escutar algo distinto, de mudar a forma como pensamos. O encontro é o potencializado da aprendizagem, e as conversas que nascem nesse espaço, definidas por Alice kolb como conversas de aprendizagem, são o que viabiliza a mudança, o que permite a inovação. Mas tudo isso acontece apenas quando criamos espaços que efetivamente convidam pessoas diferentes para a conversa.

Quando vamos em eventos, quando ocupamos espaços, praças, bairros, escolas, e interagimos apenas com pessoas parecidas com nós mesmos, replicamos o que pensamos, reforçamos nossas verdades, e perdemos a chance de aprender. Sim, repetir não é aprender, e a aprendizagem passa pelo incômodo de ouvir o diferente e desafiar o meu pensamento.

E esse espaço, esse lugar, é a nossa cidade.

Em um dos primeiros TEDx que organizei em Porto Alegre, tivemos um grupo de estudantes do Colégio Anchieta como palestrantes. Elas tinham como argumento principal da sua palestra o fato de aprendermos em todo o lugar, inclusive na sala de aula. As meninas apontavam para o potencial da praça, dos espaços públicos e também privados, como locus de aprendizagem.

Se reconhecermos isso, podemos desenvolver um conceito de Cidade aprendiz, ou de cidade em que se aprende. Uma cidade onde todos os espaços estão definidos como locais para as pessoas aprenderem e ensinarem. Interagirem e questionarem. Um lugar onde a sala de aula se materializa a partir do encontro na praça.

Se pensarmos em nossa cidade a partir desta perspectiva, teremos uma potência continua de transformação coletiva, e de impacto para todos. E estas são as transformações que fazem a diferença de fato, aquelas que foram a bolha e se espalham por todos os lugares.

Gustavo Borba - Diretor do Instituto para Inovação em Educação UNISINOS

Artigo por Gustavo Borba

Diretor do Instituto para Inovação em Educação UNISINOS

Foto: Raul Krebs

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