Recentemente, estava almoçando com a Mônica Timm e o Jorge Audy, grandes amigos com os quais tenho o prazer de conviver e de dialogar sobre temas como educação, quando Mônica nos contou sobre o artigo que estava escrevendo. Buscava comparar, no texto, duas cidades distantes em vários atributos, inclusive geograficamente, a partir de indicadores de educação. Falamos sobre o tema, e eu e Audy lemos o artigo ainda na versão original. Concordamos em escrever, também, sobre este momento importante de reflexão, que aponta para a necessidade de novos caminhos para a educação em nossa cidade.
O caso de Ararendá, muito bem relatado pela Mônica como um exemplo em termos de protagonismo nos índices de educação em nosso país, revela alguns elementos que podem nos ajudar a avançar na transformação efetiva da educação por aqui.
Algumas características já são consenso: a necessidade de ensino em tempo integral, por exemplo. Recentemente, Cláudia Costin escreveu sobre isso, apontando que os melhores países no PISA possuem um projeto implementado de escola de tempo integral já faz algum tempo. Mais tempo na escola, com estruturas e espaços adequados, com professores qualificados, acaba impactando diretamente no processo de ensino e de aprendizagem.
Outro elemento que é fundamental, e talvez um pressuposto para o anterior, é a compreensão da educação como uma política de Estado. Os programas educacionais, os projetos para manter os estudantes na escola, não podem se transformar em ciclos de quatro anos: precisam ser contínuos e permitir o adequado acompanhamento e avaliação para que apontem caminhos promissores em termos de transformação. A chave aqui é a importância de revelar e qualificar as políticas públicas.
Estes e outros elementos foram explorados no texto proposto pela Mônica e, por isso, eu avanço aqui para um dos pontos que me parece fundamental: uma mudança de modelo mental na proposta de currículo.
Embora a escola seja espaço fundamental para o desenvolvimento de nossos filhos, é importante que o espaço revele o mundo real para as crianças. Quando digo isso, não estou falando do mercado de trabalho, estou falando do mundo que isolamos e esquecemos: o mundo natural.
Recentemente li um dos livros de Satish Kumar, que criou a The Small School e o Schumacher College. Satish fala que precisamos, sim, avançar nos conteúdos clássicos, mas a escola precisa ser o lugar onde ensinamos não apenas sobre a natureza, mas ensinamos que nós SOMOS a natureza. Ele apresenta a importância de termos uma alfabetização em ecologia (isso todos nós precisamos) como elemento fundamental para pensarmos, por exemplo, em economia.
Nas palavras de Satish Kumar, precisamos desenvolver uma educação que crie um balanço entre “a cabeça, o coração e as mãos”.
Essa compreensão tem uma capacidade de transformação absoluta de tudo que vivemos hoje. O conceito de mercado muda, a ideia de economia se ressignifica, a lógica da formação humana ganha ainda mais valor.
Entender estes três elementos como balizadores de um currículo amplia, por exemplo, a importância da experiência, de colocar a mão na massa, de valorizar o trabalho que fazemos artesanalmente. Me parece que a maioria dos currículos está focado no primeiro elemento, nossa cabeça, e mesmo assim, parte das possibilidades infinitas que temos de construção intelectual.
Eu fico pensando em todas estas iniciativas que temos pelo mundo (e aqui em nossa cidade) que priorizam, por exemplo, o pensamento computacional e a capacidade de programar. Eu não tenho dúvida que são competências fundamentais. Mas são fundamentais hoje. E se as máquinas realmente avançarem? Essa será uma competência relevante para nós? Essa é uma dúvida importante, pois enquanto estamos investindo muito em espaços para desenvolver este tipo de pensamento, deixamos de lado o pensamento ecológico, e as possibilidades transformadoras que as competências humanas nos apresentam. Estas já demonstraram que são fundamentais sempre, independente das máquinas.
Satish Kumar nos provoca para pensar em uma educação menos centrada no “ego” e mais centrada no “eco”. Algum tempo atrás poderia parecer uma conversa promissora para um grupo, mas vista com menor importância por outros tantos. Mas, atualmente, com a crise climática e os riscos efetivos que temos de acabarmos em uma Terra inabitável, me parece o único caminho.
Educar as crianças e adultos em rede, compreendendo as relações entre os seres, desenvolvendo competências humanas que possam promover novos espaços de trabalho, que respeitem a natureza e criem oportunidades de convívio coletivo, me parece um sonho possível. Mas isso tudo passa por uma renovação de nosso olhar. A educação tem sim esse poder transformador. Mas precisa transformar a forma como nos percebemos e nos inserimos no espaço em que habitamos. Educar integralmente passa por isso. Seja em Porto Alegre ou em Ararendá.
Para saber mais: Kumar, Satish. Elegant Simplicity: The Art of Living Well. New Society Publishers; Illustrated edição (2 abril 2019).
Educação é com o Pacto Alegre!
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Entre os projetos mais conhecidos apoiados ou induzidos pelo PACTO se encontram: o Instituto Caldeira; a renovação do Quarto Distrito; a criação da marca e símbolo oficial de POA; a reinclusão da Capital no programa global Cidades Educadoras; o projeto Cidade das Startups e o projeto Territórios Inovadores.